terça-feira, 9 de junho de 2020

ERA UMA VEZ UMA VILA - HISTÓRIA 6 - ERA UMA VEZ.. A MULHER COM CARA DE BRABA DA VILA

Inocente morava a três quadras da Escola da Vila. As ruas da Vila não tinham nome, para se orientar as pessoas da Vila colocavam referência: a casa de fulano fica em frente ao campo de futebol, eu moro do lado da igreja, eu moro atrás da escola e assim vai. Inocente morava em frente do portão de cima do campo de futebol. Ele e sua família podiam assistir os jogos da área da casa, de tão perto que era o campo.
Para Inocente chegar até a Escola todos os dias pela manhã ele precisa passar em frente à casa da Mulher com Cara de Braba. E que sacrifício fazer isso. Muitas vezes ele chegava perto da casa da Mulher com Cara de Braba e via a Mulher sentada na área, ele voltava correndo para casa chorando de medo. Sua mãe, que não tinha muita paciência, dava uns tapas nas orelhas e mandava novamente para a escola dizendo para parar de ser burro que a mulher não era brava. Ele dizia para a mãe:
- Mas mãe dizem que ela é tão ruim com as crianças, me disseram que ela pega as crianças e cozinha num caldeirão e come.
A mãe gargalhava e levava ele até passar a casa da Mulher. Com a mãe ele se sentia seguro e passava em frente à casa da Mulher todo garboso e sem medo. Mas o que ele achava interessante é que a mãe cumprimentava a Mulher e a Mulher respondia o cumprimento. Mas ao chegar na escola ele esquecia desse assunto e só ia lembrar novamente quando tivesse que passar novamente sozinho em frente a essa casa.
Um certo dia Inocente estava indo para a escola sozinho, como ele sempre estava atrasado, os irmãos não esperaram ele. E ele ia devagar, contando as pedras na estrada, cantarolava, tentava pensar em outra coisa, mas só vinha em sua cabeça o caldeirão com crianças cozinhando.
Inocente ia de cabeça baixa e nem percebeu quem apareceu em sua frente bem no protão da casa da Mulher com Cara de Braba: um baita de um cachorro pitbul babando de brabo. O cachorro deu uma latida e Inocente viu o perigo em sua frente, olhou para um lado, tinha uma cerca muito alta com arame farpado na parte de cima, não conseguiria escapar por ali. Virou a cabeça devagar, com os olhos fechados, evitando movimentos bruscos e também porque sabia o que ia ver, e quando abriu os olhos viu a Mulher com Cara de Braba olhando para ele, ela movia seus lábios, mas Inocente não ouvia porque estava já todo molhado, pois havia feito xixi de medo. Quando ele voltou em si, haviam passados uns cinco segundos, ele ouviu ela gritando:
- Corra para cá, rápido! – Ela abriu o portão.
Inocente tinha pouco tempo para tomar uma decisão entre enfrentar o pitbull ou a Mulher com Cara de Braba. E saiu numa disparada para dentro do terreno da Mulher bem na hora que o pitbull chegou no portão que já estava fechado. Inocente se jogou aos pés da Mulher chorando e dizendo:
- Por favor não me coma, eu sou magrinho, sou só osso!
A mulher não dando muita importância para o que ele estava falando disse:
- Levante daí e vamos lá para dentro, está mais quente lá e vou ver uma outra calça para você.
E ele, como um cachorrinho obediente e com muito medo, foi atrás da Mulher. Chegando na casa seus olhos se arregalaram com o que viu: ele estava na cozinha bem colorida, com várias cores na parede, um fogão de lenha, chaleiras com imitação de vaca, galinha e porco esmaltadas, uma mesa com uma toalha com flores, uma mais linda que a outra e um guarda-louça antigo pintado de um amarelo bem brilhante. E um detalhe: não tinha caldeirão nenhum na cozinha. A Mulher o levou até a sala e pediu para ele esperar. Enquanto ele esperava começou a observar a sala: o chão era de madeira, brilhava de tão limpo que estava, tinha uma cristaleira com vários copos, tigelas e outras utensílios, também tinha uma estante com várias fotografias: tinha a fotografia de uma mulher, um homem e uma criança no colo da mulher, várias fotografias de uma criança, tinha foto de uma outra mulher também e de um casal mais velho, tinha um jogo de sofá onde Inocente sentou.
Inocente pensava: “acho que essa Mulher não é o que dizem!” A Mulher voltou e pediu para ele trocar a calça e colocar a molhada dentro de uma sacola. Ele voltou para a sala onde a Mulher estava esperando e tinha um rapaz com ela. A Mulher disse:
- Então viu as fotos da estante?
- Sim. – Respondeu Inocente.
- Essas fotos são do meu marido e meus pais, que já são falecidos, da minha irmã que está ali no quarto acamada e do meu filho que está aqui sentado ao meu lado.
Inocente foi para casa e contou para a mãe sobre a Mulher com Cara de Braba, sobre sua vida sofrida com o marido que bebia muito, do filho que o pai não deixou estudar, mas ela ensinou ele a ler e escrever e hoje ele escreve crônicas para um jornal famoso da Capital, sobre a irmã que tem noventa anos e está doente na cama. E disse que comeu uma comida muito gostosa que ela havia feito.
A mãe, para tirar sarro dele, perguntou:
- E a comida era sopa de criança? – E deu uma gargalhada.
Inocente, com vergonha, disse:
- Nunca mais vou falar essas besteiras, porque a Mulher com Cara de Braba é um anjo em pessoa.



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