ERA UMA VEZ O JORNAL DA VILA
Toda Vila tem um jornal (pra não chamar de fofoqueira, porque é uma palavra um pouco ofensiva, vou chamar essa personagem de jornal da Vila). Esse jornal é uma pessoa que sabe da vida de cada um da Vila, que sabe quem chega, quem sai (pois mora em frente ao ponto de ônibus da Vila). Quando vê um da Vila saindo grita de sua janela, o ponto do jornal:
Compadre já está indo receber o pagamento? Ou:
Fulano já está deixando a mulher com os filhos pra cair na esbórnia. Ou:
Queridinho estava estudando ou estava torrando o dinheiro que seu pai dá pra
você?
Quando vê um forasteiro (assim que ela chamava as pessoas que ela não conhecia) já perguntava:
Está procurando alguém? É algum cobrador? Quem está devendo para você?É
delegado de polícia? Veio prender alguém? O que ele fez? Me conte, me conte…
Não dava tempo nem da pessoa responder. O forasteiro cansava e desistia de responder e ia fazer o que tinha que fazer, deixando o jornal da Vila com suas próprias interpretações. E o jornal da Vila interpretava muito bem (na verdade imaginava muito bem), mas essas imaginações tornavam-se reais e espalhavam-se pela Vila como um rastilho de pólvora.
O povo da Vila dizia que ela tinha parte com o demo. Uma senhora, já no seus 80 anos (se dizia amiga dela), ia além e contava para todos:
Não se meta com o jornal da Vila, pois ela me mostrou um livro de magia, me
disse que recebeu do próprio demo. Com esse livro ela descobriu uma botija de ouro debaixo de uma árvore.
Os netos dessa senhora com idade avançada, mas lúcida para contar história, perguntou a ela:
Vó quem enterrou essa botija?
E a vovó se remexia em sua cadeira de balanço, dava uma baforada em seu cachimbo, soltava a fumaça, olhava para essa fumaça como se as histórias estivessem contidas ali através de imagem, e contava:
Dizem que aconteceu uma guerra nessas terras, eles chamaram de Guerra do
Contestado. Morreu muita gente, as pessoas tropeçavam nos corpos caído no chão, crianças órfãs vagavam sem destino por essas matas. Muita gente tinha dinheiro, ouro, jóias. Para não perderem esse riqueza para os saqueadores, eles enterravam debaixo de uma árvore, para que depois que terminasse a guerra tivessem algum dinheiro para recomeçar. Muitos morreram e como suas almas não conseguiram se desapegar dos bens materiais ficavam vagando embaixo da árvore, bem em cima da cova onde estava enterrado a riqueza. E só com esse livro que o jornal da Vila tem que se consegue achar. E o jornal achou e ficou bem de vida, não precisou trabalhar nunca, por isso tem bastante tempo de cuidar da vida dos outros.
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