quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Era uma vez uma vila



CAPÍTULO 1

OS ROMÂNTICOS E OS SONHADORES DA VILA

Era uma vez uma Vila, uma vila pequena como tantas outras num país chamado Brasil. Essa vila tinha muitas pessoas interessantes e escreverei sobre elas. Eu nasci nesta Vila, sou o nono filho de dez que meu pai e minha mãe tiveram em seus 40 anos de casados. E é sobre eles que escreverei primeiro. Eles eram um casal sonhador e romântico.
Eram tempos difíceis, a Vila, como todo o Brasil, estava sob um regime político ditatorial através de um governo militar. Meu pai  não se conformava com as injustiças impostas por esse governo. Lutava muito para a Vila ter uma escola decente, apesar de não ter muito estudo, pois estudou somente até a segunda série primária, e sua esposa, minha mãe, estudou até a terceira série primária, mas achavam muito importante seus filhos e os filhos da Vila estudarem. Ele era o Presidente do grupo de pais da escola, e muitas vezes tentava fazer os pais se manifestarem juntamente com ele, pedindo melhoria na qualidade da educação, na melhoria do prédio escolar e outras melhorias para a Vila. Muitas vezes o delegado de polícia, que era compadre de meu pai, aparecia em casa para ameaçar meu pai e minha mãe, ele dizia ao meu pai que era melhor eles se acalmarem senão vinha a polícia do exército e levariam os dois, se isso acontecesse como ficaria os seus filhos? Nós, filhos, ficávamos escondidos num quarto ouvindo tudo, os mais novos, como eu, choravam com medo de perder os pais. Mas meu pai sabia que o delegado, seu compadre era gente boa e não ia seguir adiante com as ameaças.
 Meu pai era também presidente da Igreja, ele e minha mãe eram muito religiosos, eram devotos da Sagrada Família, iam todos os domingos na missa e levavam seus filhos. Era muito legal ir de mãos dadas com meus pais para a missa, após a missa tinha o almoço de domingo, apesar de sermos pobres, pois meu pai era ferroviário e não ganhava lá muito bem, tinha carne, geralmente de galinha ou porco que minha mãe criava com a ajuda dos meus irmãos mais velhos, era uma festa o domingo, alguns domingos  tinha até gasosa.
Mas um dia aconteceu o que todos nós temíamos: veio a polícia do exército e levou meu pai. Nós choramos muito, imploramos que não levassem nosso pai, mas não adiantou. Ele ficou preso durante um mês, minha mãe chorava muito, pois sentia a falta de seu amado e também se preocupava muito com o que poderia acontecer com ele. Foi um mês muito difícil para todos nós, mas quando meu pai voltou foi uma festa, apesar de ele estar muito magro e debilitado.
Meu pai contava para nós, após o término da ditadura militar, o que essa “polícia” fez com ele: foi amarrado num tal de pau de arara, levou choque elétrico na genitália, até urina ele teve que tomar, e o que eles queriam de meu pai? Que ele falasse quem estava por trás de reivindicações simples, como uma escola melhor, médico para atender na Vila, estradas melhores. Meu pai dizia que não tinha ninguém, porque não tinha mesmo. Até que eles se convenceram que realmente meu pai era um sonhador isolado que não ia conseguir muita coisa.
Meu pai mudou um pouco, mas continuou firme em suas reivindicações, algumas coisas ele conseguiu: foi construído um novo prédio escolar de madeira, um posto de saúde com médico uma vez por semana.
Meu pai era um contador de histórias e nos contava muitas histórias, uma que achei interessante e que me deixava com medo era essa: “Ele disse que foi pescar, até aí tudo bem, era feriado, não estava trabalhando, mas era sexta-feira santa, e esse dia tinha que ser respeitado, não podia gritar, não se ouvia rádio, se comia pouco, era um dia de reflexão e luto, pois nesse dia se lembrava da morte de Jesus Cristo. Mas meu pai, apesar dos protestos de minha mãe foi pescar. Quando terminou de pescar já estava escuro. Voltando para casa, no meio do caminho alguma coisa pegou na sua canela. Ele tentava andar e não conseguia, uma mão segurava e puxava sua perna. Ele perguntou que o estava segurando, uma voz disse que queria saber o que ele estava fazendo. Meu pai disse que tinha ido pescar e que estava voltando para casa. A voz meio cavernosa, disse que ele estava abusando de um dia tão importante e por isso teria que ir com ele. Meu pai implorava, mas nada adiantava pois a mão que segurava sua perna era forte e estava o puxando para dentro de um buraco. Ele começou a implorar e pedir misericórdia para Deus. Quando estava com a metade das pernas no buraco, ele conseguiu dar um coice na cara da coisa e se virando para o buraco viu a cara da coisa e se arrepiou todo de medo, porque era muito amedrontador. Mas essa coisa hipnotizava as pessoas e meu pai ficou olhando fixo para a cara da coisa, mesmo sendo aterrorizante olhar e a coisa dizia: ‘Venha para o buraco comigo’. Mas meu pai conseguiu acordar e antes da coisa o pegar novamente se levantou e saiu correndo, chegou em casa todo arrepiado  fechando todas as portas e janelas.” Depois desse dia nunca mais meu pai brincou com o dia da Paixão de Cristo.
 Meu pai e minha mãe foram muito felizes nesta Vila, tiveram uma família numerosa, contribuíram com o crescimento das pessoas desta Vila, e em 1985 tiveram uma das suas grandes alegrias: o fim da ditadura militar, onde participaram ativamente do movimento das “diretas já” que acabou com 20 anos de ditadura, e quando eles votaram pela primeira vez para presidente ficaram tão alegres que tiraram até uma foto, apesar de terem sido enganados pelo “Caçador de Marajá” Fernando Collor de Melo.
            Esta é a história dos “Românticos e Sonhadores da Vila”. 

Autor: Célio Reginaldo Calikoski

Um comentário:

  1. Célio, que linda essa história!
    Mas é verdade? Teu pai passou por tudo isso?
    Que familia romântica vc tem!

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